Dois artistas militantes
negros nacionais nos presenteiam com seus trabalhos que podem ser chamados de
manifestos contra a segregação, contra a discriminação e contra a opressão.
Chico Cesar com seu cabelo crespo, duro e assanhado, há anos
sem lançar disco, vem com “Estado de poesia”, engajado com os movimentos
sociais, um álbum à esquerda. Seu característico jogo de linguagem, combinando
fonemas e rimas e timbres... massa de tudo.
Na faixa 10, “Negão”, o Chico explica como ocorre o racismo
no Brasil, melhor do que fazendo um desenho, da forma mais perigosa que uma
opressão pode agir, silenciosa, sem alarde, assim é mais eficaz e difícil de
ser combatida. “Negam que aqui tem preto, negão”, mas o preconceito no nosso
país (racismo, machismo, LGBTfóbico) está enraizado na sociedade, nos costumes,
mora nos detalhes, “nos cantos dos olhos, nas setas de indagação”, nas senhoras
segurando as bolsas mais firme ao avistarem um negro passando, nos comentários
disfarçados de boa intenção sobre sua pele ser “moreninha” e não negra e nos conselhos
sobre seu cabelo que “ficaria mais bonito liso”...
Neste álbum, o Chico critica também os latifundiários “Reis
do agronegócio”. Umas das canções mais extensas, não só desse disco, mas de
toda a obra do cantor. Numa melodia corrida, é distribuída frases que mais
parecem porradas de verdades na cara dos grandes empresários com suas empresas
poluentes e que pouco se preocupam com o meio ambiente, cegos pelo lucro.
Ouçam ESTADO DE POESIA.
...
Emicida presta um serviço de necessidade pública. Um dos
melhores artistas brasileiros da atualidade. O homem não para.
Merece um artigo sobre cada faixa do seu disco: “Sobre
Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”. Tem África, tem favela, tem
negro, tem gay, tem revolta do oprimido contra
o opressor, do colonizado contra o colonizador... Tem até “Passarinhos”.
Um disco mergulhado na luta contra as injustiças sociais e
nas realidades dos jovens discriminados por sua condição, das mães solteiras
cheias de forças que “amamenta enquanto enfrenta as guerra”. Sobre a juventude
negra, que o Estado quer pôr em cadeias invés de fazer investimentos em educação,
Emicida diz em “Boa esperança”: “Nessa equação, chata, policia mata? Plow! Médico
salva? Não! Por que? Cor de ladrão” e assim vamos exterminando negros, "acidentalmente".
Um álbum em primeira pessoa, e o eu-lírico está cansado do
descaso e da injustiça, mas é otimista, tem brilho e sangue nos olhos. Nesse disco,
falam os negros, os pobres, as mulheres... “Chega! Sou voz das nega que integra
resistência/ Truta rima a conduta, surta, escuta, vai vendo/ Tempo das mulher
fruta, eu vim menina veneno/Sistema é faia, gasta, arrasta Cláudia que não raia/
Basta de Globeleza, firmeza? Mó faia!”
Para mim, não há nada que explique tanto o Brasil de hoje
como EMICIDA. Fato!!!
(Eliano Silva)