"Ave maria! Como
falava bem! Que orador entusiasta! Quanto charme!". Exterioriza Zélia Gattai sua admiração por Jorge Amado
nos tempos em que ele era um jovem escritor, militante, presidente da delegação
baiana de escritores no primeiro congresso de escritores brasileiros.
O ano era 1945, tempos de
ditadura no Brasil. Jorge Amado se encontrava clandestinamente no estado de São
Paulo, já que estava proibido de sair da Bahia depois de voltar do exílio na
Argentina e Uruguai. Retomou suas atividades no jornal O Imperial, colaborando
com crônicas e contos. Porém Jorge era inquieto de mais, idealista de mais para
cruzar os braços diante do que acontecia no país, desobedecendo seja lá quem quer que
fosse, seguiu em direção a São Paulo, filiado ao PCB protestou contra a guerra
e pela a anistia de presos políticos. E é nessa situação que se dá o encontro
de Jorge amado e Zélia Gattai, com quem ele se casa.
Jorge tinha fama de galanteador,
vivia às voltas de mulheres bonitas e intelectuais. Zélia era uma moça tímida,
segundo sua própria mãe, despreparada para ser companheira de tal
personalidade, no fim das contas, ela acabaria largada quando o rapaz cansasse,
era uma questão de tempo. Ao contrário disso, os 56 de convivência com Jorge
transformou Zélia em uma escritora respeitada e só a morte os separou em 2001. Nem
no fim da vida, quando Jorge passava o dia de olhos fechados, quieto, ele
deixou de ama-la, lembrava com detalhes como ocorrera o primeiro beijo e
discutindo qual dos dois teria tido essa iniciativa, colocando sempre a culpa
em Zélia. Na verdade, os dois se esbarraram na cozinha do apartamento de Jorge
onde acontecia um encontro entre artistas, propositalmente, não se sabe, ele a
chamou para ajudá-lo a pegar copos e bebidas e acidentalmente aconteceu o
primeiro e breve beijo do casal.
Aquele beijo selou o
início da parceria que durou anos e rendeu muitos romances a Jorge Amado. Eles
se casaram e foram morar no Rio de janeiro, numa chácara afastada de barulho,
propício ao trabalho de Jorge, como escritor. Além de contar com essa calmaria,
ele contava com os dez dedos de Zélia, ela tinha curso de datilografia e
passava a limpo todos os seus escritos, foi assim sempre. Apoiando seu marido
em seus devaneios ela aprendeu muito sobre os processos de criação de um
escritor com a genialidade de Jorge.
Um dia estranhou o fato
dele não está trabalhando, como nos outro dias, e sim observando o galinheiro
sem nenhum motivo aparente, não sabia ela, que estava sim trabalhando, estava
escrevendo em sua cabeça o que seria passado para o papel posteriormente.
Nessa época Jorge era deputado
federal, concluiu o mandato sobre fortes pressões ao partido, sofrendo ameaças
de morte, até ser exilado novamente de seu país. Ficaram para viajar depois a mulher
e o filho recém- nascido, João Jorge Amado, que quatro meses após seguiram ao
seu encontro. Por falta de dinheiro não viajaram juntos, apesar de Jorge ser um
escritor renomado, passava por problemas financeiros, já que a ditadura afetava
a venda de seus livros no Brasil.
O exílio na Europa
resultou em novas amizades entre a família amado e escritores, artistas
plásticos, músicos e personalidades importantes do velho continente. Recebiam
visitas de Sartre, Pablo Picasso, Paul Éluard e outros. Nesta lista de
intelectuais estavam também dois amigos de Jorge, assim como ele exilados de
seus países, os latinos Pablo Neruda e Nicolás Guillén, que viviam disputando a
vaga de padrinho dos filhos Zélia e Jorge. O nascimento da filha do casal,
Paloma, aconteceu às voltas dessa discussão, travada em um quarto de maternidade
na República Tcheca. A estadia na Europa da família Amado, rendeu estórias e
muitos momentos alegres. Ria-se muito, conversava-se muito. Jorge escreveu, ganhou
prêmio, fez amizades para vida. Foram felizes até que o clima de tensão voltou
a fazer parte do quotidiano da família, amigos que foram considerados heróis do
socialismo, passaram a ser acusados de traição.
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Jorge Amado em sua posse. | | | | | | |
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O exílio acabou em 1952,
eles voltam para o Brasil quando a situação no país dera uma acalmada. Jorge
abandona a política em fim, e dedica-se exclusivamente a atividade de escrever,
funda um jornal, batizado Paratodos, no Rio de Janeiro, em parceria com outros
intelectuais, mas por falta de patrocínio dura apenas 3 anos. Nessa época ele
escreve um de seus romances mais lidos, Gabriela, cravo e canela. Alvo de
críticas, foi traduzido em diversos países. Em 1961 é eleito à Academia
Brasileira de Letras, cadeira 23, a mesma foi ocupada por José de Alencar,
Machado de Assis entre outros. Em 63 muda com a família para a Bahia.
Tem uma estória que
baiano é preguiçoso, não sei se confere, mas foi o que a mãe de Jorge disse
referindo-se aos amigos que frequentavam a sua casa em Salvador. “é tudo
artista e artista trabalha? Pra mim é tudo vagabundo” e as visitas do casal eram
ilustres, por querer resumir a história, cito apenas o diretor e ator de cinema
Roman Polanski, seu grande amigo Caymmi, o filósofo Sartre e por ai vai.
O tempo passa, os filhos
do casal crescem em meio a homens e mulheres geniais. Na Bahia Jorge escreve, obras
importantes, como Tieta do Agreste. Com a venda dos direitos autorais desta
obra, ele compra um apartamento em Paris, onde passa momentos inesquecíveis com
Zélia, como foi o caso de uma vez em seu aniversário, ela acordar coberta de
pétalas de flores, fazendo-a lembrar de quando se conheceram na mocidade, Jorge
nessa ocasião houvera, da mesma forma, derramado um mar de flores sobre ela.
O acervo de Jorge nesse
tempo, já não cabia em casa de tão vasto, juntando esse fator com o desejo do
escritor em semear a arte e a cultura, em 1986 nasce a fundação Casa Jorge
Amado.
Zélia havia gozado da
vida ao lado de Jorge, agora tinha o prazer de envelhecer com ele e sofrer ao
ver que já não contava com sua saúde, andava com o coração doente, nosso Amado.
Várias vezes tiveram que sair às pressas para o pronto-socorro e frequentemente
era atendido em casa por um cardiologista amigo. Mas creio que a tristeza de
Jorge no fim da vida era proveniente de seu problema de visão que o impedia de
ler e escrever, baseando-me em suas palavras em um discurso breve que fizera ao
ser homenageado na Feira do Livro em Paris, onde com voz firme apesar da
debilitada saúde, Jorge afirma: “Escrever, é para mim, o mesmo que viver”.
Ele já não escrevia, passava o dia quieto,
triste, velho. E aos 89 anos, Jorge se vai, deixando à Zélia uma tristeza
ímpar. Numa tentativa de animar-se, ela faz uma viagem a Porto Alegre em
companhia de seu filho e sua nora. Encontra com outra viúva, mulher de Érico
Veríssimo, amicíssimo de seu querido Jorge, com a qual, conversa sobre a sorte tamanha
que a vida lhes proporcionou, por terem sido esposas de grandes homens. “Zélia,
pense que você, como eu, somos mulheres privilegiadas” disse Mafalda.
Em 2002, Zélia, junta com
seus filhos, João Jorge Amado e Paloma Jorge Amado, começa a escrever um livro,
em qual está três relatos de amor ao marido e pai, Intitulado “Jorge Amado um
baiano romântico e sensual”. No mesmo
ano, Zélia ocupa a mesma cadeira que pertencia a seu marido na Academia
Brasileira de Letras. Se vai em 2008 aos 91, seu corpo foi cremado e as cinzas
espalhadas pela casa do Rio Vermelho igualmente como foi feito com Jorge Amado.
(Eliano Silva)
Referência:
AMADO, Zélia Gattai; AMADO, Paloma Jorge; AMADO, João Jorge. Um Baiano Romântico e Sensual. Rio de Janeiro: Editora Record - 2002. 231 p